sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Fogo na Noite Escura, p.107-108


«Seabra, cautelosamente, como se receasse ir ferir os recatados desígnios de cada um, lembrou o motivo daquela reunião. Ao mesmo tempo, queria para si a glória de se mostrar o primeiro a desejar a seriedade do ambiente. Luís Manuel ergueu-se de um pulo. – Cá fora ou lá dentro? – Não: lá dentro. Entraram para o escritório de Luís Manuel. O sr. Alcibíades ficou no jardim a ensinar o cão a saltar o lago. Mas D. Marta chamou-o. – Não vens ouvir a conferência do Luís Manuel!? – Conferência...? Alheado, parecia-lhe impossível que outra coisa, além do belo espectáculo do sol rosando o branco do Cupido do centro do lago e do Indomável a calcular a distância entre as margens, nervoso e viril, fosse motivo de preocupação, nesse momento. Mas o seu erro estava em fazer a pergunta em voz alta. E tinham ouvido. D. Marta ficou embaraçada. – Ó mãe: não fale em conferência, credo! A mãe falava do seu talento e inteligência, reclamando-os como um aldrabão de feira. Esforçava-se para que todos reconhecessem que da mistura dos seus com o sr. Alcibíades, saíra, apesar de tudo, um tal fruto, para consolação dos antepassados. D. Marta sorriu contrariada e sem saber o que dizer. (...) Luís Manuel desentupia, tossindo, a garganta. Ordenou as páginas dactilografadas. Leu: - “Introdução à música”. Tossiu de novo.»



Fernando Namora, in Fogo na Noite Escura (Coimbra, 1943)

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