sábado, 8 de outubro de 2011

URSS mal amada, bem amada, p.125

«Dizem os sociólogos que a atonia social advém de um sentimento de impotência. Quando se torna inútil fazer valer os seus direitos, reclamar numa repartição pública, dar às ambições um mínimo de concretização, adquire-se o hábito da passividade. Por outro lado, o grupo, a massa, exercem um efeito inibidor sobre o indivíduo, sobretudo quando esse gregarismo monopoliza as atenções e os objectivos, sufocando. Mas o impedimento a agir gera a reciprocidade e é finalmente o grupo que também cai no marasmo. Gorbatchev, ao que se poderá supor, é o homem que veio para dizer as verdades e para acertar os relógios pela hora da nossa época, como talvez o tenha sido Deng Xiaoping para os Chineses. É o “homem do EVM” – designação russa do ordenador –, enquanto Kruchtchev foi o desafortunado “homem do milho”, já que as colheitas de cereais na União Soviética continuam com um défice de quarenta a cinquenta milhões de toneladas, fornecidas pelas “farms” do Ocidente capitalista. Realidades que é bem melhor não dourar. Por isso Gorbatchev pôs de lado as metáforas: para evitar o declínio da URSS, diz ele, deve realizar-se “um salto qualitativo na economia, no sistema das relações sociopolíticas, na totalidade das condições de vida e de trabalho de milhões de cidadãos”. Menos doutrina e mais pragmatismo.»



Fernando Namora, in URSS mal amada, bem amada (Lisboa, 1986)

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