sábado, 8 de outubro de 2011

Um Sino na Montanha, p.7-9

«Mas não raro chega uma hora em que dedos irrequietos sacodem a traça e oferecem aos olhos esquecidos um farto material que, mesmo se desvalioso, representa anos de canseira e demarca, aqui e ali, a jornada do homem que se confessa pela voz do escritor. Isso bastará para reacender cinzas tão apagadas, bafejando-as com o que, por ser da véspera ou até de hoje, ainda arde? A mim e aos amigos o perguntei. Há quem diga que as coisas só morrem verdadeiramente se ninguém as recorda, e outros anotam que o tempo passa, se esfuma, se extravia, mas que as lembranças, quando avivadas através daquilo que testemunha o decurso dos dias, o reencontram e lhe asseguram sobrevivência. (...) A verdade é que, mesmo que o dia ainda pareça longo, há momentos em que um homem, que é feito do que possui, do que recusou e do que perdeu, olha em redor e olha para si, sendo tentado a restituir à árvore as folhas que dela se desprenderam. Cabe à arte, se está em causa, essa restituição, pois a arte sempre favoreceu a unidade do que somos e do que realizamos.»



Fernando Namora, in Um Sino na Montanha (Lisboa, 1968)

Sem comentários:

Enviar um comentário