sábado, 8 de outubro de 2011

Cavalgada Cinzenta, p.21-22

«Se os Estados Unidos não são Nova Iorque, Nova Iorque também não é Manhattan. A prodigiosa ilha estelar, raiada de molhes voltados para a Europa, salta sobre pontes e fura sob túneis, espraiando-se por Jersey City, Brooklyn, Queens, Richmond, que sei eu; uma pluralidade de raças e de perfis citadinos, somando-se por catorze milhões de pessoas, se a área considerada for a Grande Nova Iorque. Mas bastaria Manhattan, a gigante de dorso em cordilheira, para ilustrar a coabitação de contrastes; a Manhattan de Harlem, que é também a de Wall Street; a de Greenwich Village e do Central Park; a do Lower East Side e do Riverside Drive. A dos teatrinhos-estúdios e a do New York City Center. Primeira em tudo. O primeiro centro financeiro do mundo, o maior porto, a cidade mais populosa. A mais diversa, a mais rica. Uma das mais miseráveis. Porém, favos segregados, torres-formigueiros ou misturas aluvianas (o colorido estonteador, prolixo e promíscuo, de uma avenida nova-iorquina, que só tem rival à altura no Soho de Londres dos anos 70!), quem chega sente logo que arribou a um outro planeta. Ora de pesadelo, ora de promissão. E é essa diferença, a socar-nos em cheio no estômago, que individualiza Nova Iorque. Diferença física, sem dúvida – pois onde ver esta descomunal floresta petrificada, estas arribas de cimento, talhadas a pique sobre rios humanos, que tanto se enchem como se esvaziam, onde ouvir este gorgolar de uma imensa veia que se rompeu? -, e diferença de atmosfera. De ritmo. De respiração. De estar, de comunicar. Ou, sobretudo, de incomunicar. Nova Iorque é a cidade das solidões.»



Fernando Namora, in Cavalgada Cinzenta (Lisboa, 1977)

Sem comentários:

Enviar um comentário