sábado, 8 de outubro de 2011

Sentados na Relva, p.18-19

«Ela, Leena, bonito nome, não pára de dar à língua, enquanto o marido a vigia com discreta censura, uma vez por outra interpondo uma rectificação. Que diz agora Leena? O que as bocas do mundo repetem até ao lugar-comum: que os Finlandeses, grandes bebedores, bebem por uma data de motivos, sendo o principal a necessidade de fazerem estalar o seu mutismo, que os insula no seu viver entediado. Bebidos, deitam tudo cá para fora, mais ainda perante estranhos. As reuniões sociais são uma espécie de psicanálise de grupo. Tudo principia com comedimento e, de repente, saltam as rolhas. Nada há que fique por dizer. O Bergman cansa-se de nos mostrar como é. De aflição. Segue-se uma espécie de paz saqueada, as pessoas olham-se com a surpresa de se verem em carne viva. Reconhecer-se-ão, aceitar-se-ão? Ou antes: o que elas julgam e admitem ser estará na máscara do quotidiano, nos silêncios ou na catarse? Porque a verdade é que, no dia seguinte, as pessoas voltam a aferrolhar-se por dentro. Os Latinos abrem os abcessos de outra maneira, nas raras vezes em que os deixam encher. Qual das vias será mais autenticamente depuradora?»



Fernando Namora, in Sentados na Relva (Lisboa, 1986)

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