sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Rio Triste, p.23-24

«– Há em ti qualquer coisa de fugidio, ou antes, qualquer coisa que resiste, que não se entrega. – Ela fechava-se logo por dentro e Rodrigo prosseguia, tentando explicar-se melhor: - Tenho-te tido completamente algumas vezes, sinto-o bem. Mas nunca definitivamente. Teresa nem desmentia nem confirmava, o rosto fazia-se grave e magoado. Partir para longe, libertar-se – mas de quê? Ainda agora sentia o que era uma pessoa morrer em cada dia, morrer centenas de vezes no mesmo dia e em cada dia ressuscitar. Tal como Rodrigo, por certo, como toda a gente. Mas como dizer isso uns aos outros? Qual dos três o sentiria de uma forma mais dolorosa? Ela ou Rodrigo? Ela ou Cecília? Cecília terminaria os estudos, teria o seu curso, um emprego em que investiria a sua personalidade. Teresa era apenas uma dona de casa. Uma vez por outra abordava o assunto com Rodrigo, ele, estranhamente, esquivava-se, mas sem deixar de lhe dar razão – “uma tarefa, numa mulher, é importante”. Mais nada. Com Cecília seria diferente. Aproximou-se do quarto da filha, não pôde refrear-se, tocou-lhe à porta com o nó dos dedos. – Abre, Cecília, precisamos de conversar.»



Fernando Namora, in O Rio Triste (Lisboa, 1982)

Sem comentários:

Enviar um comentário