sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Homem Disfarçado, p.15

«– Então, não há quem acuda a uma desgraça? João Eduardo estremeceu. Afinal, entre esse grito e os anteriores, tinham-se passado breves segundos – e só agora a evidência do real lhe manifestava o desencontro entre o tempo exterior e o fluir lento e saboroso das suas cogitações. O homem que lançara o apelo encontrou à frente dos olhos a passividade de João Eduardo, que, ao portão da garagem, de mãos enterradas nos bolsos da gabardina, se encostara a um dos faróis do carro, e encarou-o com uma agressiva irritação. João Eduardo perturbou-se. E desejou sair dali o mais depressa possível, mas subtilmente, com naturalidade, como se ninguém tivesse dado ainda pela sua presença. Dentro dele, começava a derramar-se aquele ressentimento surdo, feito de emoções desperdiçadas e violentadas, sentido por todos que lhe exigiam que fingisse participar de vidas e anseios que não lhe diziam respeito. Estava cansado de fingir – e os outros persistiam em impor-lhe que continuasse fingindo.»



Fernando Namora, in O Homem Disfarçado (Lisboa, 1957)

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