sábado, 8 de outubro de 2011

Deuses e Demónios da Medicina, p.325

«Sondando cada vez mais profundamente o abismo, Freud encontrava com frequência crescente o choque entre a tempestade sexual e as resistências contra a sexualidade; além disso, os sintomas substitutivos do desejo refreado vinham quase sempre nos períodos mais distantes da vida do doente, começando na infância. As noções dos primeiros tempos deixavam nódoas que os anos não apagavam, predispondo para uma nevrose ulterior e nesses factos havia insistentemente a presença de excitações sexuais e do pudor a estrangulá-las, o que revelava a existência de uma sexualidade infantil – contrariando a poética crença de que a infância era um período de inocência. A função sexual começava com a vida. Freud ao chegar aí, viu-se cercado de indignação. Todos os ouvidos sentiam repulsa por esse judeu depravado que vinha conspurcar a pureza da criança. Mas nada disso, injúrias ou violências, poderia interromper a devassa de Freud. A verdade é que, pela psicanálise, o doente era empurrado, de um modo cada vez mais evidente, para as cenas da infância; e que, nas raparigas, o papel de sedutor era quase sempre desempenhado pelo pai, mais raramente por um tio ou um irmão mais velho. Não era uma sedução real, precisa, mas um fantasma de desejo. Já nas nevroses a realidade psíquica era a única realidade admitida.»



Fernando Namora, in Deuses e Demónios da Medicina (Lisboa, 1952) 

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