sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Casa da Malta, p.16

«O Chico Larouco passou untado de cal, a assobiar. Cristiano tinha as portas da loja meio abertas e expunha uma saca de arroz. Fez-lhe um aceno de adeus. Mais acima, depois do latoeiro, o Felismino à janela, em mangas de camisa. Aquele soubera governar-se. Dantes, aparecia pelo beco, enfiando o nariz em cada buraco, e não arredava conversa sem que o velho Diogo fosse pagar um decilitro. Agora, ia muito pelo palácio, deixara o emprego, aparecia pelas farmácias e por todo o canto onde se falasse do mundo, alongando o nariz adunco, olhos esbugalhados, dentes raros e podres, com ar de ave agoirenta. Às vezes, Abílio divertia-se a espiar-lhe os modos. Felismino levava as mãos às calças, arrepelando o casaco para a frente, e deslizava feito de sombra e silêncio, de porta em porta, com um ombro desabado do jeito de inclinar o corpo para o lado das conversas. Andava agora a cheirar pelo palácio, acusando este ou aquele de qualquer dito, polícia das desconfianças de D. Mattoso. E assim governava a vida.»



Fernando Namora, in Casa da Malta (Coimbra, 1945)

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