sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Retalhos da Vida de um Médico, p.13

«Depois, cada um de nós, já médico, seguiu o seu caminho. Os fios que nos tinham apertado num mesmo novelo de fraternidade iam-se deslaçando, descosendo. Entrávamos no redemoinho da vida. As armas, agora, eram tremendamente individuais. Quando se encontrava, a maioria das vezes por acaso, um antigo companheiro, no seu rosto deformado por novos interesses, por novos ambientes, debalde tentávamos recuperar as feições que nos diziam respeito. A vida, por outro lado, não perdera tempo a fazer a sua escolha: erguera uns ao galarim de vencedores, afinara-lhes a gula e o faro por certos privilégios de casta, enquanto deixara cair os outros na vala comum da mediocridade, onde a luta se reduzia ao pobre instinto de sobrevivência. O tempo não parava e, na sua marcha, era um cilindro a triturar-nos a espontaneidade confiada e generosa dos anos da Faculdade. Em vão nos esforçávamos por sustê-lo, por recuar.»



Fernando Namora, in Retalhos da Vida de um Médico (2ª série, Lisboa, 1963)

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