sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Os Clandestinos, p.47-48

«”Beija-me, querido, beija-me”, já descalça, já nua, mas ainda a ondear pelo quarto, a excitar-se e a excitá-lo remirando-se ao espelho, abrindo as narinas à nudez do espelho (“tenho duas violetas roxas nos meus lábios, repara; foste tu, querido, é a tua recordação da tarde de ontem”), fingindo não reparar na lesmice dele, que, sentado na borda da cama, desabotoava lentamente a camisa, repetindo o amuo pueril: – Porque te demoraste tanto?  Uns dedos sussurrantes vinham desenhar-lhe o rebordo das orelhas, avivar-lhe o desmanchado dos cabelos, que ele descuidava por gostar de ver-se assim, uma grenha distraída sobre os olhos, dois tufos revoltos nas têmporas, e de cada uma dessas carícias nascia um frémito venenoso, o prenúncio da sua rendição. – Se soubesses, querido, as coisas que tive de fazer! E essa desculpa vaga, pior que uma mentira, humilhava-o mais ainda. Antes que os azedasse outra insistência, outra esquiva, outro enxovalho para os seus brios de macho, era ela, então, que sabia até onde lhe esticar os nervos, a apressar-lhe as mãos passivas, a despi-lo numa exaltação crescente, olhos em incêndio, onde o desejo misturava numa só aquelas névoas de prazer, astúcia e também desespero.»



Fernando Namora, in Os Clandestinos (Lisboa, 1972)

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