sábado, 8 de outubro de 2011

Jornal sem Data, p.85

«Nunca se regressa a parte alguma. Não sei se fui eu ou outro a escrever, em tempos e algures, esta frase que a nebulosa memória tornou anónima. A certa altura, a nossa sabedoria é a sabedoria de muitos e as palavras que a exprimem já não podem arrogar-se a um uso exclusivo. Nunca se regressa a parte alguma. A certeza disso, todavia, não impede o crescente fascínio do regresso. Mas regressar a quê, regressar aonde? A um lugar que, afinal, nunca existiu. A uma vivência que, afinal, nunca foi vida. Porém, nem existindo nem tendo sido vida, essa abstracção não deixa de ser um abrigo, um conforto, uma referência. Senti a aguda verdade destas triviais considerações por diversíssimas vezes – e muito em particular certo dia em que visitei a casa de um poeta, numa aldeia búlgara, na cerca da qual se admirava a escultura da mãe esperando o regresso do filho, perdido lá por longe, na tal vida desenganadora. Uma ambiência, uma escultura, um regaço, uma expressão que nos penetrava até às vísceras. Fiquei preso à contemplação e ao lugar. Aquela não era a mãe de Dimtcho Debelianov – era a minha. Era de nós ambos. Era de todos os que, ali, sentiam a mesma nostalgia, a mesma emoção.»



Fernando Namora, in Jornal sem Data (Lisboa, 1988)








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